
Considerações e recortes do livro
Trata-se de uma coletânea com a opinião de vários autores — profissionais da área de segurança — que apresentam uma abordagem denominada “Nova Visão da Segurança”, com a expectativa de que traga melhores resultados do que as práticas convencionais.
Em adição a alguns capítulos em que especialistas convidados apresentam seus pontos de vista individuais, o livro foi estruturado para que cada autor respondesse ao mesmo conjunto de questões, evidenciando que, embora haja diversos pontos de consenso divergentes das abordagens tradicionalmente adotadas nas empresas, ainda não se consolidou um enfoque unificado.
Se você não tiver tempo ou disposição para ler o livro inteiro, recomendo ao menos os capítulos escritos por José Carlos Bruno — pelas valiosas lições que oferece não apenas aos profissionais de segurança, mas também aos gestores de processos complexos — e por Rafael Santos, cuja contribuição estimula reflexões relevantes sobre a segurança ocupacional.
Alguns fragmentos que ilustram a abordagem e merecem reflexão
Competência se desenvolve através da aquisição de conhecimentos, desenvolvimento de habilidades e construção de atitudes compatíveis.
Sempre irá existir uma lacuna, por melhor que seja o sistema de gestão de segurança, entre o trabalho como é imaginado (Work-as-Imagined) e o trabalho como é executado (Work-as-Done).
Oscar Motomura ensina que mudança cultural poderá partir de um conceito de que há duas realidades em uma empresa que coexistem, uma real (que gera os resultados, sejam eles positivos ou negativos) e outra ilusória (que está na cabeça das pessoas, podendo até mesmo estar desconectada do que ocorre de fato). Esta segunda se caracteriza por lindos planos em PowerPoint que convivem com uma condição em que os resultados podem não ser tão excelentes assim. – citado por Ivan Rigoletto
Baixas taxas de acidentes e incidentes, inclusive o acidente zero, não significam necessariamente sistemas de trabalho seguros. Segurança, numa visão sistêmica, é entendida como a existência de capacidades positivas no sistema que aumentam as chances de que o trabalho seja executado com sucesso, que cada vez mais as coisas deem certo, ao invés de apenas procurar evitar que as coisas deem errado (Hollnagel, 2013, 2014).
O “erro humano” não é o ponto de parada de uma investigação, mas, em vez disso, o seu ponto de partida, se o objetivo for realmente o de aprender e melhorar.
Para obtermos melhores resultados em segurança … não basta trabalharmos para “retirar” do sistema aquilo que consideramos indesejável (“erros”, violações, incidentes, não conformidades) para evitar que as coisas deem errado. Mais do que isso, é preciso “inserir” no sistema … capacidades positivas (e.g., melhor preparação para o inesperado; defesas mais robustas; integração; confiança; liberdade com corresponsabilidade; ambiente de aprendizagem, participação e colaboração; flexibilidade e adaptabilidade; habilidades não técnicas; fluxo de comunicação e muitas outras), que só se materializam efetivamente a partir da compreensão dos paradigmas propostos por uma visão sistêmica, por uma Nova Visão.
… muitas indústrias ainda fazem confusão entre segurança ocupacional e segurança operacional (ou de processo). E essa confusão, como lembrado por Leveson (2011), pode gerar situações indesejáveis, mas bastante comuns, como, por exemplo, a demasiada ênfase que muitas organizações dão para a segurança ocupacional em detrimento da segurança operacional. E uma das razões para isso pode residir no fato de que métricas de segurança ocupacional, como dias sem acidentes ou taxa de acidentes sem afastamento, são mais fáceis de definir e coletar quando comparadas a métricas de segurança operacional (ou de processo).
Ciência: é incrível pensar que muitas (talvez a maioria) das ferramentas que aprendemos (através de desenvolvimento prático, colegas mais experientes, ou mesmo empresas benchmark) a aplicar na área de segurança do trabalho não têm qualquer fundamento científico, nenhuma pesquisa ou dado estatístico significativo que justifique sua aplicação e confirme seus resultados. Quantos profissionais você conhece que realmente leram o trabalho científico de Heinrich sobre a famosa pirâmide de acidentes? É como se um médico prescrevesse um medicamento não aprovado pela ANVISA; ou que a própria ANVISA aprovasse esse medicamento antes que o fabricante comprovasse sua eficácia e segurança de aplicação. — Rafael Santos
A alta direção não é o seu cliente, ou pelo menos não deveria ser; seu cliente é a operação. É dela que você precisa cuidar em primeiro plano, e os gestores sabem disso, ao contrário da maioria de nós, profissionais de segurança.
O erro humano não é falha e sim uma variável do processo. – Ivan Rigoletto
Sobre a medição do desempenho de segurança
“E aqui vamos nós, com todas as áreas organizacionais de uma empresa medindo seus indicadores-chave. Compras mede economias ou prazo de entrega, RH mede satisfação de funcionários, Manufatura mede unidades produzidas, Finanças mede lucro, Logística mede prazo de entrega, Jurídico mede causas ganhas, Marketing mede participação de mercado, e assim por diante. E a Segurança, o que mede? Taxas de acidente… E qual é a diferença entre o indicador da Segurança e todos os citados anteriormente? Ora bolas, todos são indicadores de sucesso (maior ou menor, mais ou menos agressivo, mas ainda sucesso), e o indicador da Segurança é de fracasso. Ele mede a proporção de acidentes, e, nesse caso, não há como ser indicador de sucesso. O indicador de sucesso sempre será menos fracasso, ou o zero…” — Ivan Rigoletto
Pare de contabilizar insucessos e passe a contar e medir as ações transformadoras e a eficiência sustentável da operação. Pesquisas de opinião periódicas sobre a percepção da segurança, permeando toda a organização, costumam ser bons indicadores.
Desenvolver um portfólio equilibrado, com indicadores proativos e reativos, preocupados com segurança pessoal e segurança de processos. A matriz abaixo traz um exemplo desse portfólio:

Autor do quadro: Tarcisio A. Saurin
Os indicadores reativos devem ser “entendidos” de forma diferente, são úteis para mostrar a evolução da saúde do sistema, mas é importante saber que acidente “zero” não é indicador de segurança, e talvez um desastre de grandes proporções esteja na iminência de acontecer, apesar do indicador favorável. – Moacyr Cardoso Jr.
… é altamente desaconselhável o estabelecimento de recordes e premiações, uma vez que a sua adoção pode levar ao encobrimento de eventos de menor severidade, mas cuja gravidade potencial ou natureza de ocorrência justificaria uma análise mais pormenorizada.
Os pesquisadores concluíram que o número de manutenções [de aeronaves] postergadas pode ser um ótimo indicador de que a pressão de tempo pode ocorrer a qualquer momento. Sabendo que há uma grande chance de ela acontecer, os profissionais de segurança podem se antecipar e reduzir a pressão antes que cause um incidente ou acidente.
As organizações não querem informações, querem insights. — David Provan
A nova visão
Entendo que a primeira coisa a ser compreendida e o paradoxo a ser quebrado nas Novas Visões é que a eliminação de todo e qualquer acidente não é possível (o tal “Zero Acidentes”), assim como eliminar o “erro humano” através do incremento de treinamentos e regras.
Acrescentar regras a cada acidente, mais controles e mais treinamentos enfadonhos não cria o ambiente seguro desejado, mas sim entulhado de burocracia e papel na segurança (“Clutter Safety”), sendo necessário repensar o que faz sentido para a pessoa que executa a tarefa (Trabalho Real), que pode ser muito diferente do que teoricamente fora imaginado (Trabalho Prescrito).
… sempre quando quero apresentar uma mudança, escolho uma área “protótipo”, de preferência a pior em segurança, e aplico os novos conceitos. Com os resultados, normalmente favoráveis (já que era a pior área), apresento esse “case” para a alta direção, pedindo apoio e recursos para expandir o projeto. Para mim, sempre essa maneira de abordar a alta direção foi um grande sucesso e indico para os que queiram levar a frente o projeto de adoção das Novas Visões na organização. – Adilson Monteiro
A integração proposta pelas Novas Visões não tem ênfase na integração burocrática entre sistemas de gestão, mas sim no trabalho normal diário.
O grande fator diferencial das Novas Visões é trazer o pensamento crítico como sua pedra fundamental. – Guido Carim Jr
O livro
GOMES, Paulo Cesar; MENEZES, Gilval de Sousa; RIBEIRO, Hugo Leonardo Pereira (Orgs.). Nova visão de segurança no trabalho: um olhar brasileiro. São Paulo: Editora Nelpa, 2022.
POST250703 de jul/25